Hudson Cunha[1]
Uma tendência histórica das classes dominantes e dos sequazes destas é de colocar nos textos legais determinadas políticas sociais e afirmarem foram gestadas unicamente por eles, como se fossem dadas de mão beijada para as classes trabalhadoras.
O trabalhismo, com seu feito mais conservador, primou por esta prática. As lutas do inicio do século vinte já prenunciavam a legislação social que as classes dominantes brasileiras, nas suas sedes de super-exploração, teimam em não alterar significativamente e em colocar em prática.
Perante pressões populares sentidas pelas classes dominantes, inclusive pelos grandes monopólios internacionais que temiam as teses de esquerda e revoluções tivessem avanços nos países dominados, como ocorrera na Rússia. O getulismo implantou uma legislação social, pirateando e deturpando diversas propostas das classes trabalhadoras, na época mais consolidadas nos programas dos partidos de esquerda, principalmente no Partido Comunista do Brasil. E, pari passu, a seguir, getulistas passaram a perseguir os lideres operários e populares.
A proposta do seguro-desemprego é um exemplo que esta prática continua.
A elaboração de formas de sobrevivência dos trabalhadores demitidos pelas suas lutas ou pela lógica do capitalismo é uma constante na histórica do movimento operário e popular. Os círculos operários formados no final do século XIX e inicio do século passado, em São Paulo,e em outros rincões do Brasil, normalmente criavam fundos ou centros de resistência para manter os companheiros e companheiras demitidos. Só que este fundo era criado e mantido pela própria classe trabalhadora.
Os trabalhadores com o tempo passaram a cobrar a estabilidade no emprego. O que superaria a necessidade do seguro-desemprego.
Mas, as classes dominantes optaram por supressão da estabilidade, ou melhor da multa dispensa, transferindo impostos que já pagavam para manter o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Pois, assim teria um caminho mais livre para demitir[2].
Por outro lado, no processo histórico, o PARTIDO DOS TRABALHADORES-PT, desde a sua criação, no contexto do fim da estabilidade no emprego, tem o “salário-desemprego” como uma das suas bandeiras, Na plataforma política aprovada em 13 de outubro de 1979, o Partido dos Trabalhadores, ainda sem seu registro definitivo, já defendia , no item 2, que tratava das “Melhores condições de vida e trabalho”... "pelo salário desemprego".
Na CONCLAT – Conferência da Classe Trabalhadora realizada, em 1981, havia entre as proposições aprovadas no item 2, que tratava de Direito do Trabalho, a proposta 5, foi delimitada nos seguintes termos:
“5) SEGURO DESEMPREGO: enquanto o Estado brasileiro não garantir o direito ao trabalho; instituição de seguro-desemprego cobrindo o pagamento salarial até que o trabalhador tenha outro emprego; criar um Fundo-Desemprego gerido e administrado pelos sindicatos; as empresas e o Estado contribuirão paritariamente com o valor de 1%, calculado sobre o faturamento.”
. Em 1982 e 1983, o IBRAT - Instituto Brasileiro de Relações do Trabalho entrevistou diversos sindicalistas, entre eles Jair Meneghelli, que manifestou entre outras opiniões manifestou:
“... A garantia do emprego é muito relativa: estabilidade absoluta não existe em nenhum país e é evidente que seria preciso que fosse estabelecidos alguns critérios, mas o governo deveria ter um comprometimento muito maior com os trabalhadores no sentido de se criarem condições de ter emprego no país e garantir a sobrevivência dos desempregados, através de algo como o fundo desemprego (in Os Sindicatos e a Transição democrática: o que pensam os interessados? Organizado por Roque Aparecido da Silva. São Paulo, IBRAT, 1986. Série Pesquisas nº 4. pág.189).” (Sublinhamos).
E todas as lutas marcantes da classe trabalhadora levantavam sucessivamente a proposta do seguro-desemprego e a da redução da jornada de trabalho.
“... A garantia do emprego é muito relativa: estabilidade absoluta não existe em nenhum país e é evidente que seria preciso que fosse estabelecidos alguns critérios, mas o governo deveria ter um comprometimento muito maior com os trabalhadores no sentido de se criarem condições de ter emprego no país e garantir a sobrevivência dos desempregados, através de algo como o fundo desemprego (in Os Sindicatos e a Transição democrática: o que pensam os interessados? Organizado por Roque Aparecido da Silva. São Paulo, IBRAT, 1986. Série Pesquisas nº 4. pág.189).” (Sublinhamos).
E todas as lutas marcantes da classe trabalhadora levantavam sucessivamente a proposta do seguro-desemprego e a da redução da jornada de trabalho.
Em 1983, posições mais esquerda do PT, levantadas inclusive pelo Deputado José Genoino, constava a proposição de avanço na luta política: “Pela estabilidade no emprego, instituição do salário- desemprego às custas do lucro dos patrões e isenção aos desempregados do pagamento de impostos, serviços públicos, prestação da casa própria, passagens nos transportes coletivos, etc...., com desenvolvimento da luta contra o desemprego.”
O PT, na Constituinte - em 1986, sob a coordenação de Fabio Konder Comparato - apresentou para debate na sociedade brasileira um projeto de Constituição. E, em 6 de maio de 1987, remeteu a todos os constituintes e Comissões da Constituinte um “Projeto de Constituição à Assembléia Nacional Constituinte”, que foi apresentado pela bancada do PT[3], no qual em seu artigo 239, propunha:
Art. 239. Toda pessoa tem direito, em caso de acidente, doença, invalidez, tempo de serviço, velhice, desemprego involuntário, à seguridade, tendo assegurado beneficio equivalente aos rendimentos do seu trabalho”.
Nesta proposta de Constituição, ainda, o PT propunha como seria obtido o custeio da seguridade social no art. 241, do anteprojeto de Constituição:
“Art. 241. O custeio da seguridade social se dará através da fixação em lei de percentuais sobre os salários e o faturamento das empresas, bem como, ainda, por verbas da União, Estados e Municípios.
E, no parágrafo segundo, deste mesmo artigo citado constava que:
“§2º A lei disciplinará a gestão do fundo nacional de seguridade social, que será fiscalizada por entidade representativas dos segurados.”
No art. 242, da mesma proposta da Bancada Petista, constava no inciso XXV, a questão do seguro-desemprego, que ora transcrevemos:
Art. 242. A constituição assegura a todos os trabalhadores, inclusive servidores públicos, indistintamente, independente de lei, os seguintes direitos, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:
...
XXV – seguro desemprego até a data do retorno à atividade para todo trabalhador que, por motivo alheio à sua vontade, ficar desempregado”.
Ora, as propostas sobre o seguro-desemprego cobravam mais do que o regime militar e a Nova República podiam ceder. Era, então, necessário que de capachos das elites surgissem propostas de “seguro desemprego moderado”.
Assim, como detalhou a nota das Centrais Sindicais, sob o título Serra: impostura e golpe contra os trabalhadores, divulgada em meados de 2010:
"Seguro-Desemprego - Foi criado pelo decreto presidencial nº 2.284, de 10 de março de 1986, assinado pelo então presidente José Sarney. Sua regulamentação ocorreu em 30 de abril daquele ano, através do decreto nº 92.608, passando a ser concedido imediatamente aos trabalhadores.
FAT ? Foi criado pelo Projeto de Lei nº 991, de 1988, de autoria do deputado Jorge Uequed (PMDB-RS). Um ano depois Serra apresentou um projeto sobre o FAT (nº 2.250/1989), que foi considerado prejudicado pelo plenário da Câmara dos Deputados, na sessão de 13 de dezembro de 1989, uma vez que o projeto de Jorge Uequed já havia sido aprovado. :
FAT ? Foi criado pelo Projeto de Lei nº 991, de 1988, de autoria do deputado Jorge Uequed (PMDB-RS). Um ano depois Serra apresentou um projeto sobre o FAT (nº 2.250/1989), que foi considerado prejudicado pelo plenário da Câmara dos Deputados, na sessão de 13 de dezembro de 1989, uma vez que o projeto de Jorge Uequed já havia sido aprovado. :
...
Assim, é gerida no seio do Governo Sarney uma proposta de seguro-desemprego, sob controle governamental. E, surge a proposta de FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador de Serra, que era bem pior do que propunha o movimento sindical na época, principalmente no seu segmento mais combativo, que cobrava um custeio pelos empresários e controle pelos trabalhadores da administração do Fundo. Serra não poderia tolerar que o seguro-desemprego ficasse sobre controle dos trabalhadores e mexesse na contabilidade empresarial recaindo sobre lucros. Tinha uma “missão” de participar uma alternativa conservadora. Ele um político que tinha apoiado pacotes econômicos da ditadura militar e da Nova República e um parlamentar que se mostrava omitindo a favor das classes dominantes, antes e durante a constituinte. Ele seria escolhido para tratar do tema, após embate no plenário da Constituinte.
Em 1986, o Presidente Sarney, já baixara um decreto criando o seguro desemprego. Ele havia recebido diversas propostas para criação deste seguro social, inclusive do INESC – Instituto Estudos Sócio- Econômicos[4], do Distrito Federal, via alguns deputados e, ainda, o DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Sócios Econômicos já formulara alguns trabalhos no sentido da instituição do seguro desemprego.
Além disto, a CUT também já colocava em suas pautas de luta o Seguro-desemprego, que o movimento sindical desde a CONCLAT, de 1981 adotara como uma das suas principais bandeiras.
Serra, assim como as elites, viria com uma proposta de seguro-desemprego, que ficasse sob a hegemonia dos conservadores estavam no centro do aparelho do Estado e tendiam a continuar. Então, veio a proposta de FAT do Serra para manter o seguro-desemprego, de forma que não cobrasse devidamente das classes dominantes.
Os trabalhadores queriam os sindicatos controlando o seguro-desemprego, e que as classes dominantes e o Estado pagasse cobrissem este. E, qual foi a proposta de Serra, que vingou com o Centrão (bloco conservador da Constituinte)?
Por uma coincidência, também, sob o número de art. 239, previu a dotação para o Seguro Desemprego, que retirando recursos que iam para o BNDES e passando a destinar parcela dos valores do PIS/PASEP para a cobrir o seguro desemprego. Houve somente remanejo de impostos. Os patrões ganharam de graça o seguro-desemprego, algo semelhante ao que ocorrera com o FGTS, tendo menor resistência para demitir e jogar nas costas dos trabalhadores eventuais crises capitalistas.
. Em 1990, foi definido que a Administração caberia ao CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, numa comissão tripartite, formada por representante dos Trabalhadores, do Governo e dos patrões.
Ou seja, acabou permanecendo uma proposta conservadora (leia-se do Serra); cuja operação financeira foi de destinar o que era para o processo de investimento (BNDES) fosse aplicado para o seguro-desemprego. E, ao invés de deixar a gestão para os trabalhadores, passou a ser tripartite (trabalhadores, patrões e governo).
. Uma avaliação histórica constata, ainda, que o seguro desemprego já era adotado em outros países, lá também após brava luta da classe trabalhadora. E, aqui no Brasil, não foi benesse de político, mas foi resultado da luta dos principais interessados, os membros da classe trabalhadora, que resultou na aprovação na adoção do seguro desemprego.
Confrontando as propostas adotadas constou no Decreto de Sarney, na Constituição Federal de 1988 e nas alterações legislativa da era Collor em relação as do movimento sindical e do Partido dos Trabalhadores, nota-se que houve uma cola piorada destas últimas proposições pela direita.
IncrÍvel é a cara de pau de Serra ao dizer que é o pai do seguro-desemprego: uma mentira.
Embora A PROPOSTA DO SEGURO DO MOVIMENTO SINDICAL E DO PT FOSSE BEM MELHOR; SURGIU UMA COLA PIORADA, INCLUSIVE AQUILO QUE CONSTA NO ART. 238, DA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988.
[1] Assessor-técnico, como economista, da Liderança do PT na Câmara Federal, de 1979 a 1989, isto é, antes de depois da Constituinte. . Hoje, trabalha centralmente como advogado dos movimentos sociais no Distrito Federal e Região do Entorno.
[2] Vera Lucia B. Ferrante, em seu livro FGTS: Ideologia e Repressão (São Paulo, Atica, 1978, fls. 139), afirma que 5,2% de impostos foram eliminados pelo Regime Militar antes da adoção do FGTS de 8%. Ou seja, 3% eram destinados ao fundo de Indenizações Trabalhistas (art. 2º, §3º, da Lei 4.357/64), 1,2% para capital do BNH, 0,5¨% para Legião da Boa Vontade, 0,5% para o SESC e SESI. Depois, com 8% do FGTS, o empregador só elevou mais 2,8% e passou a ter um direito mais amplo de demitir. E Cesarino Junior, diz ela, acrescenta outra isenção, a de recolher o FGTS sobre o 13%, o que reduz mais 1,2%. Restando o acrescimo patronal só de 1,6% segundo este estudioso. O dano só seria efetivo para o trabalhador, mas houve muita propaganda e repressão para dar a entender que era compensadora a existência do FGTS, naquele contexto.
[3] Este projeto de Constituição, ainda, hoje se mostra como uma leitura obrigatória por todo aquele que quer avançar o processo político brasileiro, pois ali se encontram diversas propostas que implementadas resultarão em avanço significativo para os brasileiros. Tanto é retraída a proposta de 1988, resultante da Constituinte que o PT votou contra ela. É só comparar para ver como propúnhamos melhor do que a direita,
que predominou em muitos dispositivos da Constituição de 1988.
[4] Em trabalho que participei no início da década de 1980, como consultor econômico, no INESC, sob a Coordenação de Maria José Jaime, detectei a existencia de diversas propostas que encaminhavam no sentido da instituição do seguro-desemprego no Brasil. E, no Livro Quem é Quem na Constituinte, do qual fui colaborador, constatamos que Serra se omitiu em votações importantes para classe trabalhadora. Foi reprovado, recebeu nota 3,75.
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